terça-feira, 22 de abril de 2014

The Shining: a longa minissérie (2)

O hotel 
Impossível falar, em linha alguma, do que está aqui a acontecer, sem recorrer, numa ou outra palavra, ao clássico de Kubrick e suas decisões artísticas. Esquecer isso é ocultar parte vital da cultura cinematográfica e popular, que ditou regras, estabeleceu ícones e desbravou territórios. Para além disso, nunca poderemos deixar de ver esta série como uma resposta, uma correção minuciosa a um teste que correu mal. E o corrigir foi ser fiel, foi vermos a verdadeira fonte, o real The Stanley Hotel, génese de todo este universo. Exteriores e interiores, foi ali que King repousou e se intimidou, naquela noite. Foram eles que deram fundo à história. Facto que por um lado funciona como cobertor curioso; é o nosso gene voyeurista a tentar esgravatar o máximo de verdade nas coisas. Viagem turística aos pontos de interesse. Perde-se por outro a capacidade claustrofóbica dos corredores, dos padrões, o vazio solitário dos grandes salões. A entidade desaparece e surgem apenas sítios, sem medo de os percorrer. Sem aquele olhar gélido de que nada ali nos quer bem. Todos os elementos fantasmagóricos são também novos, todos. Esqueçam as gémeas ou as marés de sangue, esqueçam o labirinto, nada disso estava no original. Surge então algum gozo na descoberta: temos uma mangueira de incêndio e arbustos em forma de animais que ganham vida para atacar os protagonistas. Bizarrias bem-vindas em qualquer conto do género mas que devido ao pobre CGI – que chega a ser ridículo – viram batalhas sem causa. Menos é mais. Os fantasmas aparecem com uma caracterização semelhante às festas de Halloween de qualquer escola secundária [King está lá, faz uma pequena aparição como uma destas entidades, membro da banda de música. Frank Darabont e Sam Raimi também têm direito a pequenos cameos]. Existe uma vontade interessante de contar as histórias perdidas no tempo, os crimes, as traições, que o hotel viu morrer, ao longo dos tempos. Teia que poderia ter criado intriga e sub-enredos, que justificariam relações entre os vazios e os de carne e osso. Aumentar os flashbacks, dar cor ao que assusta. Não se consegue, mais um beco sem saída. No final, e ao contrário do filme, o Overlook perde e num bonito acto de sacrifício Jack explode com o edifício. Apesar de num último frame vermos a reconstrução do mesmo sabemos que se fechou. Nada em aberto. Menos é mais, menos é mais.

Texto publicado na Take 34

Sem comentários: